Após uma análise teórica em algumas bibliografias e apoiando nosso conhecimento adquirido em outras áreas do ensino paralelas à psicologia, bem como fazendo uso da experiência adquirida com a nossa vivência e da análise do modo como se organiza nossa atual sociedade, concluímos que a construção da subjetividade humana, nesse período denominado por alguns como pós-modernidade, se dá através através das mais diversas formas de interações, porém, com uma nova condição: a de não permitir ao indivíduo que ele reflita sobre essa construção.
Bem como o tempo avança e os anos se passam, também se dá o surgimento de novas questões e novos modos de se relacionar e isso pode ser claramente evidenciado na atual conjuntura social se fizermos uma análise do nosso passado mais recente.
Se voltássemos até 1916, há exatos 100 anos atrás, por exemplo, seria possível verificar que não tínhamos acesso à televisão, ao computador, ao celular, à Internet, à cartões magnéticos para compras, à sacolas plásticas etc. Ao decorrer do tempo, timidamente se tratava das questões raciais, das questões relacionadas ao gênero, da importância do papel da mulher e seus direitos, do acesso igualitário aos portadores de necessidades especiais aos mais diversos espaços etc. A luta de classes era discutida, porém, pouco se avançava, tendo em vista que o Estado - e isso se mostrou em todo o mundo -, anunciava, em nome da ordem e do progresso, o combate direto e truculento dessa força social que reivindicava seus direitos, instaurando legitimamente os ARE's, isto é, a força policial/militar/belicosa, os hospícios ou manicômios, os presídios etc.
Mas o quanto isso significa para a construção da subjetividade humana na pós-modernidade?
Acreditamos nós que isso significa e muito.
Ora, se o indivíduo se dá para esse tipo de acontecimento, se ele participa direta ou indiretamente, se ele age em função de determinadas escolhas, então, simultaneamente, todas essas questões se voltam para ele e agindo como uma espécie de fôrma. Logo, o indivíduo seria a parte, a sociedade e tudo que a cerca, o todo; o indivíduo a ação, a sociedade a estrutura.
Na análise das lutas de classe, das ideologias e das teorias sociais que, de acordo com PEIXOTO, precisam ser negadas nesse momento pós-moderno para que assim seja possível analisar as especificidades que compõem toda sociedade, fica evidenciada, então, uma espécie de análise microssocial irrefletida. Portanto, considerar somente as especificidades da sociedade, inegavelmente nos remete à negação da conjuntura estrutural a qual essa especificidade faz parte e, por conseguinte, nos leva à fragmentação do saber, da capacidade, do conhecimento, das alternativas etc. Então, se a construção da subjetividade humana na pós-modernidade está consubstanciada na negação da objetividade, ou seja, na negação do concreto, está, também, na negação/dissolução do sujeito como ser humano.
É a partir de então que se torna possível aprofundar nossa análise na construção da subjetividade humana na pós-modernidade. Ora, se negar o sujeito é uma das condições prioritárias para se construir como indivíduo, também é possível acreditar que negar boa parcela das relações sociais seja necessário. Boa parte, pois, nem todas essas relações serão postas de lado, visto que seria impossível se fazer indivíduo sem considerá-las, mesmo que não mais numa totalidade. Negar a existência do outro como um semelhante, como uma parte da sociedade da qual fazemos parte, é negar, inclusive, uma parte de si próprio, o que faz ser totalmente irrefletida essa condição. Não há como se fazer sem o outro, sem o escambo de conhecimento e, se há essa possibilidade, certamente de que ela está sendo dada por interesses não mais privatizados à nossa essência, mas sim por mecanismos externos à nós.
E se de fato há pós-modernidade, há também, paralelamente, uma nova condição estrutural apresentada pela hegemonia capitalista que atua em nossa sociedade. Com isso, da fragmentação que falamos anteriormente, podemos saber da sua atuação, por exemplo, nas novas relações de trabalho que são impostas com esse novo momento.
Na modernidade haviam os mecânicos, os médicos, os professores, e só na modernidade. A partir dessa nova atuação do capitalismo, onde tudo e todos devem ser transformados em mercadorias, isso vai mudar: os mecânicos, agora, serão mecânicos de motores à diesel, e mais, mecânicos de motores à diesel de automóveis, não o bastante, mecânicos de motores à diesel de automóveis da Mercedes-Benz; os médicos, agora, serão médicos ortopedistas, e mais, médicos ortopedistas da região cervical, não o bastante, médicos ortopedistas da região cervical especializados em hernia de disco; os professores, agora, serão professores de matemática, e mais, professores de matemática da área de finanças públicas, não o bastante professores de matemática especializados na área de finanças públicas da Academia do Concurso. Consubstanciada à superespecialização, se dá uma outra nova condição da pós-modernidade: a competitividade.
Se a atual conjuntura social proposta pelo capitalismo na pós-modernidade exige que sejamos cada vez mais especializados em setores cada vez mais específicos do setor produtivo, este, por sua vez, exige também que sejamos cada vez mais competitivos com os outros, pois, do contrário, estaríamos nós fadados ao fracasso. Essa noção de competitividade nos traz também uma outra noção que nos parece ser evidente na atualidade: o conformismo. É a competitividade que nos exige sempre a disputar com os demais indivíduos pelos mais diversos postos e condições sociais, nos faz disputar, inclusive, a nossa própria definição de existência, isto é, a própria definição do que eu sou, de quem eu sou e para que/quem eu sou. Nos exige, então, travar uma luta contra nossos próprios desejos, com as nossas próprias esperanças, com os nossos próprios objetivos.
E se pudermos considerar essa condição como uma condição real, é possível, também, considerar que o mercado e as demandas capitalistas são os principais determinadores da nossa identidade. Exemplo: Como saber qual profissão seguir? Como saber qual alimento é, e quando/como é essencial para nossa alimentação? Como saber os fins da especialização? Como saber para onde viajar nas férias? Como educar nossos filhos? Essas são algumas das questões dadas e que já possuem respostas prontas. Respostas já pré-determinadas e não mutáveis nesse novo ordenamento pós-moderno.
Tendo em vista que nem todos possuem as mesmas possibilidades; tendo em vista que ainda existe uma sociedade divida em classes e que essa questão não foi superada, logo, existe então uma sociedade extremamente desigual e essa superespecialização proposta pelo capitalismo não pode ser considerada a melhor alternativa para todos. Entretanto, isso não é levado em consideração e essa formulação parece evoluir sem muitas dificuldades. Por isso, acreditamos no conformismo como uma outra nova condição que também participa efetivamente da construção da subjetividade humana na pós-modernidade, visto que essa superespecialização ilusória dada pelo sistema capitalista propõe uma justificativa incontestável para o que conhecemos por desemprego estrutural.
Em continuidade, se o indivíduo já negou o outro como ser humano, se já está devidamente super especializado em um dos setores específicos existentes, se já optou pela competitividade à cooperação e ainda assim não conseguiu estabelecer-se na sociedade como um personagem relevante e em constante ascendência, não há motivos para que ele reclame ao Estado uma ausência de oportunidades, bem como que não houveram chances igualitárias, que não houve a participação do Estado e da iniciativa privada em prol do desenvolvimento social etc. Não há, portanto, justificativas para ele se voltar contra esse mecanismo capitalista, visto que, se ele não conseguiu, ou foi por falta de sorte ou foi pela simples lei natural de que não era pra ser, isto é, o indivíduo se torna conformado por não poder ter atingido os patamares que lhes são prometidos diariamente dentro das propostas da superespecialização.
Com efeito, e ainda identificando os carácteres que, oculta e silenciosamente corroboram para a construção da subjetividade humana na pós-modernidade, podemos, também, agregar a esse conjunto o elemento legitimador dessa composição fisiológica dada pelo capitalismo em sua fase atual: o mérito ou a meritocracia. O mérito como outra das novas condições propostas pelo sistema hegemônico será o acabamento final, será a última demão, estando assim esse esquema pronto para se expor nas vitrines da estrutura social.
Certamente de que não haverá mercado para todos os indivíduos dentro do regime capitalista, logo, nem todos poderão desempenhar sua superespecialização nos mais específicos setores existentes, o que acarretará numa significante ociosidade coletiva, desequilibrando ainda mais a conjuntura social e equilibrando ainda mais o capitalismo na pós-modernidade. Com isso, haverá uma justificativa final que legitimará a conquista de certos indivíduos. E quem são esses indivíduos? Ora, certamente de que serão os que possuem uma base formativa própria - não superficial, frágil e ilusória - para determinada função; serão aqueles que, por algumas questões dadas, poderão ter privilégios em detrimento de outros; serão os integrantes das classes determinantes; serão aqueles que estão inseridos/compreendidos nas esferas do poder (políticos e seus escolhidos, bem como os grandes empresários e seus escolhidos) etc.
Para ilustrar, imaginemos nós: 1) o jovem A, morador da periferia da Baixada Fluminense, 16 anos, órfão de pai, mãe desempregada, estudante de escola pública precária, 4 irmãos; 2) o jovem B, mesma idade, morador de Ipanema, pai empresário, mãe atriz, estudante de escola particular de excelência, filho único. Podemos perceber que ambos vivem realidades, condições sócio-econômicas, sócio-culturais e oportunidades totalmente opostas. O jovem A tem como referência de status, de poder, de ascendência social o traficante, "dono" da favela em que mora, ou, por vezes, um pequeno comerciante da região; o jovem B tem como referência seu pai, um grande empresário, sua mãe que é famosa e atriz, a Europa e suas viagens por outras partes do mundo, outras culturas, outros idiomas, os políticos/empresários que frequentam seu apartamento em datas festivas e reuniões etc. Um faz duas refeições diárias - quando faz - e vai precisar estudar e trabalhar para ajudar no sustento da casa; o outro faz 5 refeições diárias e vai precisar estudar para manter e aumentar sua herança; um vai precisar acordar 4 horas da manhã, ir para o trabalho, geralmente longe de casa e voltar para trabalhar no turno noturno, o que resulta em viagens diárias de até 150 km; o outro estuda pela manhã no mesmo bairro, tem motorista e na parte da tarde estuda artes, inglês, francês e alemão.
Podemos perceber que são pólos altamente distintos e expressos na realidade dos dois jovens e, apesar de discrepantes, quase que inacreditáveis, são reais e existentes na nossa estrutura social, na verdade, em toda estrutura capitalista. Ambos os jovens precisarão, agora, de uma especialização superior para dar continuidade aos seus estudos - análise hipotética -, e será aí que o mérito atuará como legitimador da desigualdade social denunciada. Como será possível que jovens de realidades totalmente opostas possam ser submetidos ao mesmo exame intelectual, à mesma avaliação, por exemplo? Como pode a maior parcela da população - a população proletária - ocupar menos de 30% das vagas nas universidades públicas e quase 100% das universidades/faculdades particulares? Como pode a grande maioria da sociedade ser submetida aos desejos de uma pequena parcela?
Logo, após o exame - para ilustrar, vamos pensar no Enem como exemplo -, temos o jovem A inapto e o jovem B apto para seguir seus estudos. Aliás, não haveria de ser diferente, pois, o Jovem A não teve construção intelectual/social/cultural adequada para que fosse capaz de obter um bom desempenho, já o jovem B, este teve todas as condições possíveis para se preparar. Daí o surgimento do discurso meritocrático: "o jovem A não se esforçou o bastante." Para reflexão e exemplificar como se comporta o Estado frente aos mais diversos sujeitos sociais, vale lembrar, o que disse Foucault acerca do poder:
Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não, você acredita que ele seria obedecido? O que faz com que o poder seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma instância que diz não, mas que de fato ele permeia coisas, induz ao prazer, forma saber, PRODUZ DISCURSO. Deve-se considerá-lo como UMA REDE PRODUTIVA QUE ATRAVESSA TODO CORPO SOCIAL muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir (FOUCAULT, 1976, p. 6, grifos nossos).
Bem como o poder atua dessa forma, assim faz o capitalismo, já que detentores de grandes quantidades de capital são quem estão no poder. Ele dá ao jovem A algumas condições que o jovem B possui, logicamente, de maneira precarizada, mas, com o intuito em poder justificar-se na avaliação do mérito.
Dessa forma, poucos conseguirão sair da miséria/pobreza, seja no campo alimentar, social ou intelectual e atingir a riqueza, como é prometido diariamente através dos diversos meios de comunicação. Alguns poucos ascendem por intermédio do futebol, da fama televisiva, por meio das artes (geralmente os artistas só se tornam relevantes após sua morte) e, estes, serão o ponto fundamentador da justificativa: "se ele conseguiu foi por esforço, foi por muita luta, foi por mérito." Quem nunca ouviu essa fala?
Sim, há de se considerar que o indivíduo se esforçou, que nada se fez sozinho ou por sorte - salvo nos casos em que o sujeito ganha algum prêmio lotérico -, que o sujeito se dedicou e conseguiu ascender. Todavia, o individualismo não pode ser levado em consideração para justificar toda uma estrutura macro, como nos exemplifica bem Zaia Brandão em seu artigo A dialética micro/macro na sociologia da educação. Essa justificativa individualizada fortalece a ideia de que, se nenhum indivíduo das zonas periféricas atingisse essa tal ascensão, ela própria seria desacreditada e isso desmotivaria e enfraqueceria parte do sistema capitalista, beiraríamos à uma espécie de ditadura social.
O que está em questão é: qual é o motivo que condiciona essa justificativa usada pelos burgueses determinantes e pelo Estado em sua institucional representação, visto que nem todos ascenderão na vida pelos mesmos meios, tendo as mesmas oportunidades? Essa é uma questão com resposta dada: "se ele(a) não conseguiu foi porque não quis, não se empenhou o suficiente."
Por mais que ambos os jovens tenham tido "oportunidades semelhantes", isto é, escola, família/moradia, trabalho/sustento, mesma idade etc, isso não quer dizer que essas "oportunidades" tenham sido programadas para o mesmo objetivo, para os mesmos fins. Nesse esquema apresentado anteriormente, o jovem A é o determinado, o jovem B é o determinante. O jovem A está submisso às exigências do jovem B e o jovem B exige ao jovem A. Então, considerando que muitos indivíduos são construídos para os fins de poucos e para o sucesso/manutenção de um sistema articulado - o capitalista -, acreditamos que a construção da subjetividade humana na pós-modernidade seja motivada/determinada, principalmente, pela negação da objetividade, do concreto/real; na negação/dissolução do ser humano como sujeito único, porém, também coletivo; na fragilidade da avaliação micro e macrossocial; na superespecialização da força de trabalho; na competitividade; na conformação e na meritocracia.
Construir esse pano de fundo foi necessário, mesmo que não sejam questões desconhecidas pela maioria de nós. Ilustrar foi fundamental para justificar que o ser humano atual vem sendo construído sem caráter de humanidade, de humanismo. O indivíduo passar a ser super especializado para se tornar um super humano voltado à produção, ou seja, para ser uma variação da máquina, como se não houvesse sentimento, o que acaba fazendo com que ele perca todos os seus outros sentidos, sonhos e toda sua capacidade de reflexão sobre o mundo e sobre o seu papel. Somos motivados por um sistema altamente capacitado e coerente, que avança e se solidifica cada vez mais. Os signos parecem falar mais alto do que as nossas necessidades, tendo em vista que eles estão por toda parte, em todos os momentos, apresentando formatos cada vez mais ofensivos.
O sistema capitalista na sua fase atual mantém o seu formato organizacional anterior, porém, aumentou seu campo de atuação. Ele parece estar sendo detalhadamente vigiado 24 horas por dia, durante todos os dias do ano, pois, a cada dia que se passa ele traz uma nova descoberta, uma nova motivação, um novo mercado, uma nova forma de existir e de construir sujeitos.
Mesmo parecendo ser otimista nosso posicionamento final, acreditamos que seja necessário, primeiramente, adotar a mesma postura do capitalismo, ou seja, devemos nós sujeitos em contato com o conhecimento libertador adotar essa mesma postura do capitalismo, isto é, se equiparar ao seu modelo organizacional, que avalia tanto o sujeito (análise micro) quanto a sociedade (análise macro), determinando assim o modo como devemos tomar decisões.
Sim, parece mesmo ser utópica e frágil, já que só se pede para agir como o próprio sistema age, lógico, para se opor ao modelo, pensando em outros vieses, outros esquemas, outras formas de produção e distribuição etc. Mesmo parecendo ser utópica nossa ideia, sabemos que na balança quem vale mais é o maior peso. Do mesmo modo que o capitalismo hoje é hegemônico, ele um dia não existiu. Do mesmo modo que a maioria da sociedade hoje é totalmente subalternizada sem oficialmente ser escravizada, um dia ela também não foi. Ora, o que precisa ser feito é reajustar os papéis e dar um novo formato para o "surgimento" de uma nova sociedade. Se o capitalismo é capaz de balançar com algumas mudanças decorrentes de crises/tomadas econômicas, políticas e sociais, isso prova que ele tem um ponto vulnerável.
Essa postura, ao nosso ver, deve ser iniciada a partir do campo intelectual, dos cientistas e pesquisadores de todos os âmbitos, sobretudo das áreas das ciências humanas, que em parte ainda são capazes de refletir por seu afastamento do senso comum. Estes, devem eliminar os monismos como análise suficiente e analisar de forma micro e macrossociológica, ou seja, analisar a parte e o todo. Somente a partir dessas análises será possível identificar estratégias hábeis e suficientes para o combate ao capitalismo, consequentemente, surgirá então uma nova possibilidade em construir nossa subjetividade partindo de outra base que não seja essa atual.
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Com efeito, e ainda identificando os carácteres que, oculta e silenciosamente corroboram para a construção da subjetividade humana na pós-modernidade, podemos, também, agregar a esse conjunto o elemento legitimador dessa composição fisiológica dada pelo capitalismo em sua fase atual: o mérito ou a meritocracia. O mérito como outra das novas condições propostas pelo sistema hegemônico será o acabamento final, será a última demão, estando assim esse esquema pronto para se expor nas vitrines da estrutura social.
Certamente de que não haverá mercado para todos os indivíduos dentro do regime capitalista, logo, nem todos poderão desempenhar sua superespecialização nos mais específicos setores existentes, o que acarretará numa significante ociosidade coletiva, desequilibrando ainda mais a conjuntura social e equilibrando ainda mais o capitalismo na pós-modernidade. Com isso, haverá uma justificativa final que legitimará a conquista de certos indivíduos. E quem são esses indivíduos? Ora, certamente de que serão os que possuem uma base formativa própria - não superficial, frágil e ilusória - para determinada função; serão aqueles que, por algumas questões dadas, poderão ter privilégios em detrimento de outros; serão os integrantes das classes determinantes; serão aqueles que estão inseridos/compreendidos nas esferas do poder (políticos e seus escolhidos, bem como os grandes empresários e seus escolhidos) etc.
Para ilustrar, imaginemos nós: 1) o jovem A, morador da periferia da Baixada Fluminense, 16 anos, órfão de pai, mãe desempregada, estudante de escola pública precária, 4 irmãos; 2) o jovem B, mesma idade, morador de Ipanema, pai empresário, mãe atriz, estudante de escola particular de excelência, filho único. Podemos perceber que ambos vivem realidades, condições sócio-econômicas, sócio-culturais e oportunidades totalmente opostas. O jovem A tem como referência de status, de poder, de ascendência social o traficante, "dono" da favela em que mora, ou, por vezes, um pequeno comerciante da região; o jovem B tem como referência seu pai, um grande empresário, sua mãe que é famosa e atriz, a Europa e suas viagens por outras partes do mundo, outras culturas, outros idiomas, os políticos/empresários que frequentam seu apartamento em datas festivas e reuniões etc. Um faz duas refeições diárias - quando faz - e vai precisar estudar e trabalhar para ajudar no sustento da casa; o outro faz 5 refeições diárias e vai precisar estudar para manter e aumentar sua herança; um vai precisar acordar 4 horas da manhã, ir para o trabalho, geralmente longe de casa e voltar para trabalhar no turno noturno, o que resulta em viagens diárias de até 150 km; o outro estuda pela manhã no mesmo bairro, tem motorista e na parte da tarde estuda artes, inglês, francês e alemão.
Podemos perceber que são pólos altamente distintos e expressos na realidade dos dois jovens e, apesar de discrepantes, quase que inacreditáveis, são reais e existentes na nossa estrutura social, na verdade, em toda estrutura capitalista. Ambos os jovens precisarão, agora, de uma especialização superior para dar continuidade aos seus estudos - análise hipotética -, e será aí que o mérito atuará como legitimador da desigualdade social denunciada. Como será possível que jovens de realidades totalmente opostas possam ser submetidos ao mesmo exame intelectual, à mesma avaliação, por exemplo? Como pode a maior parcela da população - a população proletária - ocupar menos de 30% das vagas nas universidades públicas e quase 100% das universidades/faculdades particulares? Como pode a grande maioria da sociedade ser submetida aos desejos de uma pequena parcela?
Logo, após o exame - para ilustrar, vamos pensar no Enem como exemplo -, temos o jovem A inapto e o jovem B apto para seguir seus estudos. Aliás, não haveria de ser diferente, pois, o Jovem A não teve construção intelectual/social/cultural adequada para que fosse capaz de obter um bom desempenho, já o jovem B, este teve todas as condições possíveis para se preparar. Daí o surgimento do discurso meritocrático: "o jovem A não se esforçou o bastante." Para reflexão e exemplificar como se comporta o Estado frente aos mais diversos sujeitos sociais, vale lembrar, o que disse Foucault acerca do poder:
Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não, você acredita que ele seria obedecido? O que faz com que o poder seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma instância que diz não, mas que de fato ele permeia coisas, induz ao prazer, forma saber, PRODUZ DISCURSO. Deve-se considerá-lo como UMA REDE PRODUTIVA QUE ATRAVESSA TODO CORPO SOCIAL muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir (FOUCAULT, 1976, p. 6, grifos nossos).
Bem como o poder atua dessa forma, assim faz o capitalismo, já que detentores de grandes quantidades de capital são quem estão no poder. Ele dá ao jovem A algumas condições que o jovem B possui, logicamente, de maneira precarizada, mas, com o intuito em poder justificar-se na avaliação do mérito.
Dessa forma, poucos conseguirão sair da miséria/pobreza, seja no campo alimentar, social ou intelectual e atingir a riqueza, como é prometido diariamente através dos diversos meios de comunicação. Alguns poucos ascendem por intermédio do futebol, da fama televisiva, por meio das artes (geralmente os artistas só se tornam relevantes após sua morte) e, estes, serão o ponto fundamentador da justificativa: "se ele conseguiu foi por esforço, foi por muita luta, foi por mérito." Quem nunca ouviu essa fala?
Sim, há de se considerar que o indivíduo se esforçou, que nada se fez sozinho ou por sorte - salvo nos casos em que o sujeito ganha algum prêmio lotérico -, que o sujeito se dedicou e conseguiu ascender. Todavia, o individualismo não pode ser levado em consideração para justificar toda uma estrutura macro, como nos exemplifica bem Zaia Brandão em seu artigo A dialética micro/macro na sociologia da educação. Essa justificativa individualizada fortalece a ideia de que, se nenhum indivíduo das zonas periféricas atingisse essa tal ascensão, ela própria seria desacreditada e isso desmotivaria e enfraqueceria parte do sistema capitalista, beiraríamos à uma espécie de ditadura social.
O que está em questão é: qual é o motivo que condiciona essa justificativa usada pelos burgueses determinantes e pelo Estado em sua institucional representação, visto que nem todos ascenderão na vida pelos mesmos meios, tendo as mesmas oportunidades? Essa é uma questão com resposta dada: "se ele(a) não conseguiu foi porque não quis, não se empenhou o suficiente."
Por mais que ambos os jovens tenham tido "oportunidades semelhantes", isto é, escola, família/moradia, trabalho/sustento, mesma idade etc, isso não quer dizer que essas "oportunidades" tenham sido programadas para o mesmo objetivo, para os mesmos fins. Nesse esquema apresentado anteriormente, o jovem A é o determinado, o jovem B é o determinante. O jovem A está submisso às exigências do jovem B e o jovem B exige ao jovem A. Então, considerando que muitos indivíduos são construídos para os fins de poucos e para o sucesso/manutenção de um sistema articulado - o capitalista -, acreditamos que a construção da subjetividade humana na pós-modernidade seja motivada/determinada, principalmente, pela negação da objetividade, do concreto/real; na negação/dissolução do ser humano como sujeito único, porém, também coletivo; na fragilidade da avaliação micro e macrossocial; na superespecialização da força de trabalho; na competitividade; na conformação e na meritocracia.
Construir esse pano de fundo foi necessário, mesmo que não sejam questões desconhecidas pela maioria de nós. Ilustrar foi fundamental para justificar que o ser humano atual vem sendo construído sem caráter de humanidade, de humanismo. O indivíduo passar a ser super especializado para se tornar um super humano voltado à produção, ou seja, para ser uma variação da máquina, como se não houvesse sentimento, o que acaba fazendo com que ele perca todos os seus outros sentidos, sonhos e toda sua capacidade de reflexão sobre o mundo e sobre o seu papel. Somos motivados por um sistema altamente capacitado e coerente, que avança e se solidifica cada vez mais. Os signos parecem falar mais alto do que as nossas necessidades, tendo em vista que eles estão por toda parte, em todos os momentos, apresentando formatos cada vez mais ofensivos.
O sistema capitalista na sua fase atual mantém o seu formato organizacional anterior, porém, aumentou seu campo de atuação. Ele parece estar sendo detalhadamente vigiado 24 horas por dia, durante todos os dias do ano, pois, a cada dia que se passa ele traz uma nova descoberta, uma nova motivação, um novo mercado, uma nova forma de existir e de construir sujeitos.
Mesmo parecendo ser otimista nosso posicionamento final, acreditamos que seja necessário, primeiramente, adotar a mesma postura do capitalismo, ou seja, devemos nós sujeitos em contato com o conhecimento libertador adotar essa mesma postura do capitalismo, isto é, se equiparar ao seu modelo organizacional, que avalia tanto o sujeito (análise micro) quanto a sociedade (análise macro), determinando assim o modo como devemos tomar decisões.
Sim, parece mesmo ser utópica e frágil, já que só se pede para agir como o próprio sistema age, lógico, para se opor ao modelo, pensando em outros vieses, outros esquemas, outras formas de produção e distribuição etc. Mesmo parecendo ser utópica nossa ideia, sabemos que na balança quem vale mais é o maior peso. Do mesmo modo que o capitalismo hoje é hegemônico, ele um dia não existiu. Do mesmo modo que a maioria da sociedade hoje é totalmente subalternizada sem oficialmente ser escravizada, um dia ela também não foi. Ora, o que precisa ser feito é reajustar os papéis e dar um novo formato para o "surgimento" de uma nova sociedade. Se o capitalismo é capaz de balançar com algumas mudanças decorrentes de crises/tomadas econômicas, políticas e sociais, isso prova que ele tem um ponto vulnerável.
Essa postura, ao nosso ver, deve ser iniciada a partir do campo intelectual, dos cientistas e pesquisadores de todos os âmbitos, sobretudo das áreas das ciências humanas, que em parte ainda são capazes de refletir por seu afastamento do senso comum. Estes, devem eliminar os monismos como análise suficiente e analisar de forma micro e macrossociológica, ou seja, analisar a parte e o todo. Somente a partir dessas análises será possível identificar estratégias hábeis e suficientes para o combate ao capitalismo, consequentemente, surgirá então uma nova possibilidade em construir nossa subjetividade partindo de outra base que não seja essa atual.
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